Satisfaz-se à queixa dos que sentem securas e desconsolações na oração





Em primeiro lugar eu não digo que não se deva alegrar uma alma quando Deus a visita com as consolações espirituais, porque é coisa certa que não pode deixar de sentir gosto com a presença do seu divino esposo; nem digo também que não sinta a ausência de Deus, quando a castiga com securas e tentações, pois bem vejo que isto se não pode deixar de sentir. Cristo Nosso Redentor sentiu o desamparo de Seu Eterno Pai, quando estando na Cruz disse: Deus meu, Deus meu por que me desamparaste? (1) Mas o que pretendemos persuadir é que saibamos aproveitar-nos deste trabalho e desta prova com que o Senhor costuma experimentar muitas vezes a Seus escolhidos, e que sempre nos conformemos com a vontade de Deus, e digamos com fortaleza: Não se faça Senhor o que eu quero, senão o que vós quereis (2); pois devemos advertir que a santidade e perfeição não consiste nas consolações ou em ter alta e elevada oração, nem o nosso aproveitamento se mede por estas coisas, senão, pelo verdadeiro amor de Deus, o qual também não consiste nisso, mas em uma união e conformidade inteira com a vontade de Deus, assim nas amarguras como nas doçuras, e tanto no adverso como no próspero.


E assim havemos de tomar igualmente da mão de Deus tanto a cruz e o desamparo espiritual, como a consolação, dando-Lhe graças assim por uma coisa como pela outra. “Se quereis que esteja em trevas, sede bendito; e se quereis que esteja em luz, sede bendito igualmente. Se quereis que eu esteja consolado, sede bendito; e se quereis que esteja atribulado, sede também bendito para sempre” (3). Assim no-lo aconselha também o apóstolo S. Paulo. Em todas as coisas que vos acontecerem, dai graças a Deus, porque esta é a sua vontade (4). Pois se esta é a vontade de Deus, que mais temos que desejar? Esta vida não é mais que para agradar a Deus. Se Ele guia a minha vida por esta vereda escura e escabrosa, não tenho que suspirar por outro caminho mais claro e suave.


Quer Deus que aquele vá por um caminho fácil e cheio de luz, e que eu vá por este deserto escuro e cheio de desolação; pois eu não trocaria a minha escuridão pela sua claridade. Isto dizem os que têm os olhos abertos à verdade, e com isto se consolam. Diz muito bem o P. Mestre Ávila: Oh! se o Senhor nos abrisse os olhos, como veríamos mais claro que a luz do sol, que todas as coisas da terra e do céu são muito baixas para serem desejadas ou possuídas, se delas se aparta a vontade de Deus, e que não há coisa por pequena e amarga que seja, que, se vem junta com a vontade de Deus, não seja de muito valor! Vale muito mais sem comparação estar no meio de trabalhos, desolações, securas e tentações, se o Senhor assim o quer, do que todos os gostos e consolações e que todas as contemplações, se delas se aparta a vontade divina.


Porem dirá alguém: Se eu entendesse com certeza que esta era a vontade de Deus, e que Lhe agradava mais esta minha tribulação, facilmente me conformaria, e estaria muito contente, ainda que passasse toda a vida atribulado desta maneira, porque bem vejo que neste mundo não há mais que agradar a Deus, nem a vida é para outra coisa. Mas a mim parece-me que Deus queria que eu tivesse melhor oração e mais recolhimento e atenção, se eu me dispusesse para isso; e o que a mim me dá pena e tormento é crer que por minha culpa e tibieza, e por não fazer toda a diligência da minha parte, estou ali distraído e seco sem poder entrar na oração; pois se eu entendesse e estivesse persuadido que fazia da minha parte tudo o que devo, e que não era culpa minha a causa das minhas securas, não teria pena alguma.






Muito bem dada está a réplica; não há mais que dizer, porque nisto se vêm a resumir todas as razões dos que têm semelhantes queixas. E assim se satisfizermos bem a isto, faremos uma grande obra, porque não há ninguém, por santo e perfeito que seja, que não sinta a seus tempos estas securas e desolações espirituais. Do bem-aventurado S. Francisco e de S. Catarina de Sena lemos que, sendo tão amigos e favorecidos de Deus, contudo experimentaram estas provas. E S. Antão abade tendo tão alta oração, que as noites lhe pareciam breves, e se queixava do sol porque madrugava tanto, contudo algumas vezes era tão combatido e perseguido de pensamentos maus e importunos, que clamava e dava vozes a Deus: “Senhor, eu quero ser bom, e não me deixam os meus pensamentos!” Do mesmo se queixava São Bernardo e dizia: “Ai! Senhor, que se secou e coagulou o meu coração, e está tão endurecido como a terra sem água; de tal modo que não me posso compungir nem mover a lágrimas, tanta é a dureza de meu coração! Não me sinto bem no coro, não gosto da leitura espiritual, não me agrada a meditação; já não acho na oração o que antes costumava. Onde está aquela suavidade, paz e gozo no Espírito Santo?” Portanto não há dúvida que para todos é útil e necessária esta doutrina, e confio no Senhor que a todos satisfaremos.






Comecemos pois por aqui: Concedo que a vossa culpa é a causa da vossa distração e secura, e de não poderdes entrar na oração. Assim é bem que o sintais e o confesseis, que por vossos pecados e pelas vossas culpas e descuidos presentes, vos quer o Senhor castigar em vos não dar entrada na oração, e em não poderdes ter recolhimento nem quietação, nem atenção nela; enfim não o mereceis, antes o desmereceis. Porém daí não se segue; que vos hajais de queixar, antes deveis ter uma grande conformidade com a vontade de Deus neste particular. Quereis ver isto claramente? Por vossa boca e pelas vossas palavras vos quero julgar (5). Não conheceis e dizeis vós que pelos vossos pecados passados, e por vossas culpas e descuidos presentes, mereceis grande castigo de Deus? “Assim é na verdade, tenho merecido o inferno muitas vezes; e assim nenhum castigo será grande para mim, mas todo o castigo será misericórdia e benefício, em comparação do que eu mereço; e o querer-me Deus mandar algum castigo nesta vida, me terá por singular favor, pois para mim será sinal de que o Senhor me tem perdoado os meus pecados, e que me não quer castigar na outra vida, visto castigar-me nesta”.


Baste isso. Não é preciso acrescentar mais; eu me contento com o que já dissestes. Porém, não sejam tudo palavras; vamos às obras. Este é pois o castigo que Deus quer que padeçais agora por vossos pecados. Essas desolações, essas distrações e securas, esse desamparo espiritual, esse fazer-se-vos o céu de ferro e a terra de bronze, esse ocultar-se-vos Deus de modo que não acheis entrada na oração: essa é a pena com que Deus vos quer agora castigar, para expiardes as vossas culpas.


Não vos parece que os vossos pecados passados e os descuidos e negligências presentes merecem um grande castigo? “Sim, por certo; e agora digo que ainda é muito pequeno para o que mereço, e que esse castigo vem cheio de muita justiça e misericórdia. De justiça, porque, como tenho tantas vezes fechado a Deus as portas da minha alma e do meu coração, e me tinha feito surdo, quando Ele batia e chamava com Suas santas inspirações, resistindo-lhes muitas vezes: agora é muito justo que o Senhor, ainda que eu chame, Se faça também surdo e não me responda nem me queira abrir a porta, antes me dê com ela nos olhos: Justíssimo castigo é este, mas para mim muito pequeno, e assim é cheio de misericórdia, por ser muito inferior ao que eu merecia”. A isto só respondo: Conformai-vos pois com a vontade de Deus nesse castigo, e recebei-o com ações de graças, visto castigar-vos com tanta misericórdia, e não segundo os vossos merecimentos.


Não dizeis vós que merecíeis o inferno? Pois como vos atreveis a pedir a Deus consolações e regalos na oração, e que vos dê nela muita entrada e muita familiaridade com Ele, e uma paz e sossego e quietação própria de filhos muito queridos e regalados? E como vos atreveis a fazer queixa do contrário? Não vedes que essa vossa ousadia é grande atrevimento e soberba? Contentai-vos com que Deus vos tenha em sua casa, e vos consinta em Sua presença, e estimai isso por grande mercê e benefício singular. Se no nosso coração houvesse humildade, não teríamos boca para nos queixarmos, de qualquer modo que o Senhor nos tratasse, e assim facilmente acabaria esta tentação.


(Exercícios de Perfeição e Virtudes Cristãs pelo V. Padre Afonso Rodrigues da Companhia de Jesus, versão do Castelhano por Fr. Pedro de Santa Clara, 4.ª Edição, primeira Parte, Tomo II.)


Notas:


1- Deus meus, Deus meus, ut quid dereliquisti me? Matth. XXVII, 46.


2- Veruntamen non sicut ego volo, sed sicut tu. Matth. XXVI, 39.


3- Kempis, Imit. De Cristo, 1. III, c.17.


4- In omnibus gratias agite, haec est enim voluntae Dei. I ad Thess. V, 13.


5- De ore tuo te judico. Luc. XIX, 22.



Fonte: A grande Guerra.

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